João Peleteiro é pai de três filhos. Dois deles, rapazes, com 18 e 14 anos, jogam râguebi no Direito. É fotógrafo amador. E na objetiva cabem todos os momentos do desporto da bola oval. Seja do clube, da seleção nacional, em jogos campeonato ou torneios. Onde há râguebi é vê-lo nos relvados. À procura da melhor fotografia e de momentos únicos que mostrem em campo o que este desporto mostra para fora.
O meu pai gostava muito de fotografia e de pintura e o meu interesse nasceu aí. Mas foi só quando acabei o curso (Gestão) que comecei a interessar-me mais por fotografia, principalmente retrato, arquitetura e paisagem. A fotografia de desporto veio muito mais tarde, quando os meus filhos começaram a jogar râguebi.
Sempre gostei de desporto. Tive uma passagem breve pelo râguebi, mas dediquei à vela a maior parte da minha vida desportiva. Quando há uns seis anos os meus filhos começaram a jogar no Direito, comecei a fotografar os jogos deles e, aos poucos, passei a acompanhar jogos de outros escalões e também das seleções.
Os irmãos da minha mulher são o Francisco e o Zé Bessa, ex-jogadores e treinadores do clube há muitos anos (o Francisco faz também parte da Direcção). Para além de tios, são padrinhos dos dois rapazes e a principal influência é claramente deles. Pela minha parte, sempre os incentivei e tenho muito gosto em que joguem rugby no GDD que, por causa deles, passou a ser também o meu clube.
O râguebi é um magnífico tema de fotografia. É jogado por pessoas extraordinárias, com carácter excecional, muito resilientes, capazes de grandes esforços com uma técnica apurada. Proporciona emoções fortes e transmite espírito de equipa, sacrifício pelo grupo, tenacidade, coragem e respeito, tudo em grandes doses, com elevada intensidade, muitas vezes em condições meteorológicas adversas. A somar a tudo isto, o râguebi oferece-nos boas cores, texturas e ambientes. Uma fotografia perfeita é aquela que consegue combinar a maior parte destas componentes de uma forma esteticamente atraente. Felizmente, se estivermos atentos, este grande desporto proporciona imensas oportunidades para conseguirmos estas fotografias perfeitas.
Na manhã do jogo carrego as baterias das máquinas e limpo os cartões de memória. Antes de sair de casa verifico se as máquinas estão com os parâmetros que eu quero, tiro algumas fotografias para testar, escolho as lentes que quero levar e ponho tudo numa mala ou mochila, juntamente com as baterias e os cartões de backup (e as proteções para a chuva se for necessário.) Tento chegar uns quinze minutos antes do início do jogo para tirar algumas fotografias de teste e pensar por onde vou querer andar. Nas pausas do jogo, vou vendo se é preciso afinar alguma coisa (principalmente o balanço de brancos e a compensação da exposição.) Mais tarde no dia (nem sempre é possível fazê-lo logo a seguir ao jogo), passo as fotografias para o computador e começo o processo de escolha. Sendo normal chegar a casa com mais de 1000 fotografias, o primeiro trabalho é escolher cerca de 200 candidatas que, posteriormente, se reduzem a umas 50 a 100 que são editadas e publicadas nos dias a seguir ao jogo em álbuns no Facebook, no Instagram e no meu site. O processo de escolha e edição pode levar alguns dias, dependendo da disponibilidade de tempo.
Os jogos decisivos, como as finais, dão um gozo especial pela carga emocional que contêm e que é possível transmitir nas fotografias (de antes, durante e depois dos jogos.) Os jogos com lama são também particularmente interessantes de fotografar, quer diretamente pela “estética” especial, como pelo esforço acrescido que é exigido aos jogadores e que acaba por proporcionar emoções ainda mais fortes.
A minha fotografia preferida é a dos oito avançados da equipa sénior do Direito num jogo com o Técnico em Monsanto em janeiro de 2015. Não choveu durante o jogo, mas o campo estava muito enlameado. A meio da segunda parte houve uma pausa antes de uma touche e os avançados aproveitaram para reunir. Eu estava no sítio onde iria ser feito o lançamento, uns metros mais à frente, quando os avançados começaram a virar-se na minha direção e a fotografia apanha esse instante. Gosto especialmente desta fotografia pela expressão dos jogadores, que mistura a determinação no olhar com o cansaço revelado na postura e na lama acumulada ao longo do jogo, e também pela luz, que estava magnífica, e que dá à fotografia um aspeto quase épico. Foi tirada com a Nikon D4 e com a 300mm f/2.8, com uma abertura de f/5.6 para conseguir focar todos os jogadores, que estão a distâncias diferentes em relação à máquina, mantendo o fundo suficientemente desfocado para que eles sobressaiam.
A captura é fundamental, é a base de todo o processo, é a matéria-prima que disponho para trabalhar e, se não for boa, o produto final nunca terá a qualidade que desejo. Como dizia Ansel Adams, “You don’t take a photograph, you make it”: “tirar” a fotografia é o início do processo e é muito mais do que simplesmente carregar no disparador; “fazer” a fotografia é um processo muito mais abrangente e que apenas fica completo na sua edição. É por isso que considero que as duas componentes – captura e edição – são fundamentais e complementares.
Eu diria que os três principais requisitos técnicos para tirar boas fotografias são: conhecer o assunto, conhecer o equipamento e dominar o workflow. Se os dois primeiros são essenciais para tirar boas fotografias, o último é a chave para torná-las excelentes. Conhecer o assunto é importante para antecipar as melhores oportunidades. Conhecer o equipamento é vital para garantir que sabemos antecipadamente qual o modo de exposição e de foco que vamos necessitar para que a máquina não nos atrapalhe nos momentos decisivos. E dominar o workflow é essencial para que o processo, do início ao fim, da captura ao produto final, seja capaz de produzir as imagens que imaginámos.
As lentes, sem dúvida. Não quero dizer que a máquina não seja importante, mas nada é mais determinante do que as lentes para fazer o tipo de fotografia que gosto, para comunicar da forma que quero. Um conselho que deixo: se quer fazer boa fotografia, invista primeiro numa boa lente e só depois numa boa máquina. Para além disso, as máquinas vão e vêm, sofrem mais desgaste e são frequentemente atualizadas pelos fabricantes. Uma boa lente pode durar para sempre.
Prepare a máquina, fique atento e mantenha-se em movimento. Preparar o equipamento é muito importante para não perder tempo a fazer ajustamentos depois do jogo ter começado. Eu uso sempre o modo de prioridade à abertura (para poder controlar a profundidade de campo) e o “Auto ISO” para definir a velocidade mínima (geralmente não abaixo de um milésimo de segundo, a menos que queira que o movimento seja aparente na fotografia) e o ISO máximo. Também tiro sempre em RAW para ter a maior flexibilidade no pós-processamento. Durante o jogo, tente estar sempre focado no que está a acontecer no campo e nos bancos. E, finalmente, esteja sempre em movimento na linha lateral, tentando estar perto da ação. Uma boa separação de planos entre os jogadores e o fundo é essencial e, se estiver perto dos jogadores, é mais fácil desfocar o fundo (e será capaz de captar melhor a essência da ação). Um conselho final é praticar muito: para evoluir na curva de experiência é preciso investir muitas horas a fotografar.
Quando o momento surge, é preciso estar preparado para agir rapidamente. É importante ter uma combinação máquina / lente com uma focagem rápida, uma boa cadência de disparo e um buffer profundo (para que não apareça uma mensagem do tipo “a gravar, aguarde…” durante a jogada do ensaio decisivo.) Mas também é fundamental manter o foco na ação, saber ler o jogo, antecipar os momentos e saber de antemão que tipo de enquadramento queremos para cada disparo. Dito isto, a sorte desempenha um papel crucial no processo. Mas quanto melhor conhecer o jogo e o equipamento, quanto mais praticar e experimentar, mais sorte terá.
Uma das grandes vantagens da fotografia de desporto é que cada competição, cada prova, cada jogo é único e não se repete, tem uma história, condicionantes e um ambiente próprio. É sempre uma coisa nova. E isso é ótimo porque ajuda-me a evoluir a inovar. Sinto que ainda tenho muito que aprender e o râguebi dá-me essa possibilidade.
Gostava de um dia fotografar um jogo de uma grande competição internacional, das Seis Nações ou de um campeonato do mundo. É um sonho que gostava de realizar nos próximos dez anos, antes de me “reformar”.
Continuo a gostar muito de retrato, arquitectura e paisagem, tanto a cores como a preto-e-branco. Aproveito principalmente as férias para voltar a esse tipo de fotografia.
A inspiração vem de muitos lados, mas principalmente de fotógrafos cujo trabalho admiro muito e que revejo constantemente, desde os clássicos que nada têm a ver com desporto (Ansel Adams, Cartier-Bresson), consagrados da fotografia de desporto (Brian Bielmann, Dave Black) e novos talentos (Joel Marklund, Mike Kelley, Johany Jutras), só para nomear alguns. São artistas excecionais, com uma estética muito apurada, que vão moldando o meu estilo, muitas vezes sem que eu tenha consciência disso.
Veja estas e outras fotografias no website do João em jp-rugby.com. Pode também segui-lo no Instagram e no Facebook.
Créditos da fotografia de capa: Juan Carlos Ogazón